domingo, 20 de novembro de 2011

Nem só de tinta vive o homem (IV)

No início desta série, falei rapidamente sobre as lapiseiras de conjunto e prometi que voltaria ao tema. Então aqui estamos nós.


Os fabricantes famosos de instrumentos de escrita de alta qualidade, sempre se preocuparam em oferecer o máximo a seus clientes em termos de instrumentos de escrita. Dessa forma, uma família completa de instrumentos de escrita nos dias atuais, chega a ser composta por até QUATRO instrumentos, uma caneta tinteiro, uma caneta esferográfica, uma caneta esferográfica de carga líquida ("roller ball") e uma lapiseira.


Essas diferentes modalidades de instrumentos, podem ser vendidas separadas ou juntas. Quando vendidos juntos, formam um CONJUNTO.


No início entretanto, antes do advento das esferográficas, os conjuntos eram compostos por uma caneta tinteiro e uma lapiseira. Os fabricantes sempre tentaram manter os componentes do conjunto, tão parecidos quanto possível, mas nem sempre isso dava certo. Algumas lapiseiras, eram tão diferentes de sua caneta-conjunto, que simplesmente pareciam não ser um "casal".


Em outros casos, a semelhança é tão grande, que às vezes é necessário observar com bastante atenção para descobrir quem é quem. Vamos a algumas imagens...


Conjunto Parker 51 Vacumatic - Lapiseira "cap atuated" (ejetora por pressão)


Conjunto Parker 51 Aerometric Trio (tinteiro + lapiseira + esferográfica) - Lapiseira "twist" (ejetora por giro)

Conjunto Parker Classic (esferográfica + lapiseira)

Conjunto Parker Vector (tinteiro + roller ball + esferográfica + lapiseira)

Conjunto Esterobrook J





Nem só de tinta vive o homem (III)

Apesar da simplicidade de manuseio das "ejetoras", alguns fabricantes procuravam algo mais, ou seja, principalmente os fabricantes que desenvolviam lapiseira em conjunto com canetas famosas, procuravam integrar as lapiseiras ao design das canetas. Em muitos modelos, um botão de acionamento, não combinava com o design, dessa forma surgiu um novo modo de acionamento...

2. Lapiseira "Twist Action": Funciona de uma forma bem simples e intuitiva. Girando a "tampa" no sentido horário (visto por trás), o grafite avança, girando no sentido anti-horário, ele se recolhe. Este tipo, traz como vantagem única, o visual. Na prática, é uma lapiseira complicada de utilizar, pois não é auto alimentável como a propulsora. Quando o grafite acaba, não basta acionar até aparecer outra mina, é necessário girar totalmente o mecanismo no sentido anti-horário para recolher o propulsor interno. Feito isso, abre-se o reservatório interno, retira-se UMA nova mina que deve ser introduzida de fora pra dentro pela ponta. Ajusta-se a mina até que cerca de 2 mm fiquem expostos e pressiona-se o grafite contra uma superfície rígida para que o propulsor interno "encaixe" e o grafite fique firme no lugar. Com minas não muito finas (diâmetro mínimo de 0.7 mm), a coisa ainda vai bem. Com medidas como 0.5 mm por exemplo, perde-se muito material por quebra.


Uma Parker 51 twist

Outro tipo muito importante, também não pode ser esquecido. São lapiseiras que seguiram um caminho totalmente diferente das propulsoras e das twist...

3. Lapiseira "Lead Holder": É um tipo que foi muito comum para DESENHO TÉCNICO até a década de 70. Também conhecida nos EUA como CLUTCH PENCIL (lapiseira de mandril), retinha apenas UMA mina que ficava presa a um mandril na ponta, algo como um sistema de pinças. Ao apertar o botão traseiro, o mandril liberava o grafite que podia ser ajustado em comprimento. Diâmetros comuns de grafite para essas lapiseiras, eram o tradicional 2.0 mm, o 2.5 mm, o 3.5 mm e até uma medida super grossa usada em esboços artísticos, de 5.6 mm. Nas medidas mais finas, o botão traseiro tinha embutidas quatro lâminas que serviam como apontador para afiar a ponta do grafite.

Caran d'Ache Fixpencil (Suíça)- A primeira "lead holder" lançada na década de 20. Fabricada até hoje


Staedtler Mars Technico 780C (Alemanha) - A mais vendida de todos os tempos



 Koh-I-Noor Versatil (Rep. Tcheca) - A mais popular e barata (mas EXCELENTE...)


Koh-I-Noor Toison d'Or (Rep. Tcheca) - Idêntica à Versatil, mas com acabamento em preto


Nem só de tinta vive o homem (II)

As melhores e mais famosas marcas de lápis do mundo hoje, são Koh-I-Noor Toison d'Or (República Tcheca), Faber-Castell (Alemanha/Brasil), Caran d'Ache (Suíça), Conté (França), Cumberland (Inglaterra), só pra citar algumas poucas...


Mas minha paixão não foi propriamente pelos velhos (e bons...) lápis de madeira e sim por sua versão mais tecnológica, as LAPISEIRAS!!!


As primeiras idéias, datam do início do século XIX. A primeira patente de lapiseira por pressão de mola data de 1877.


Um fato interessante sobre lapiseiras, é que alguns fabricantes criaram modelos exclusivos, mas era prática freqüente de fabricantes famosos, criar lapiseiras que formavam CONJUNTOS com canetas famosas. A Parker por exemplo, sempre lançou lapiseiras de conjunto. Falarei delas ao final desta série...


Vamos aos tipos mais comuns de lapiseiras...


1. Ejetora de grafite: Como ficaram consagradas no idioma inglês, "Propelling Pencils". São lapiseiras com um reservatório interno de minas de grafite que se comunica com o exterior por um mecanismo de retenção na ponta. Ao se pressionar um botão ou ainda toda a parte posterior, ejetam a mina em incrementos mínimos. Ao cessar a pressão sobre o dispositivo, um mecanismo de retenção "trava" o grafite em posição de escrita. Esse é provavelmente o tipo de mecanismo mais popular da atualidade e está presente desde as medidas mais finas de grafite (0.3 mm) até a mais grossa para esse tipo (2.0 mm).


Lapiseira Esterbrook J grafite 1.1 mm - Uma típica lapiseira de conjunto

Lapiseira Pentel P205 grafite 0.5 mm - Um dos modelos de maior sucesso de todos os tempos

Koh-I-Noor Notebook grafite 2.0 mm - Uma "propelling" que usa grafite "apontável"


Nem só de tinta vive o homem (I)

Como já falei por aqui, esferográficas nunca me animaram. Mas minha primeira paixão de escrita, não foram as canetas tinteiro. Apesar dos estadunidenses estarem francamente intencionados em acabar com a grafia manuscrita, até hoje sempre que se alfabetiza uma criança, o primeiro instrumento de escrita que se fornece a ela, é o velho e bom lápis.


Por incrível que pareça, o lápis tem até data de nascimento... Foi na Inglaterra em 06 de abril de 1564 que se descobriu a primeira jazida de grafite. Já se escrevia com carvão, mas a substância recém descoberta, provou ser muito melhor para escrita. A adição de talas de madeira para reter a peça de grafite, foi praticamente imediata, pois a substância sujava as mãos, tornando a escrita uma tarefa um tanto difícil.


Em 1761, na Alemanha, Kaspar Faber inicia a produção industrial de lápis em Nuremberg.


Mas foi no ano de 1792 que o lápis tomou a forma que conhecemos hoje. Nasceu na Áustria, inventado pelo arquiteto Joseph Hardtmuth. Até então, o grafite era torneado para se transformar em bastões cilíndricos que eram "ensanduichados" entre duas metades de madeira coladas formando o lápis. Hardmuth criou um novo processo no qual uma massa era formada pela adição de óleos, argila e PÓ de grafite. Essa mistura secava a frio e tornou-se o grafite como conhecemos até hoje. A DOSAGEM de óleo e argila, permitia duas linhas de grafite, a linha "H" com teor baixíssimo de óleo e conseqüente maior dureza de a linha "B", com teores maiores de óleo e mais macia. A necessidade de grafites diferentes, só poderia ter sido resolvida por um arquiteto...


O ponto central, é o grafite "HB". Quando se avança para o lado do "B" (B, 2B, 4B etc.), o grafite vai ficando mais macio e "borrante". Quando se avança para o lado do "H" (H, 2H, 4H etc.), o grafite vai ficando mais duro e "cortante".


Esses dois senhores, fundaram empresas que entraram no negócio e estão firmes e fortes até hoje. A alemã, tornou-se a Faber-Castell. A austríaca, tornou-se a Koh-I-Noor, que alguns anos depois, mudou-se para a Bohemia (hoje parte da república Tcheca), pela maior disponibilidade de jazidas de grafite de boa qualidade.


A massa de grafite para escrita, teria continuado inalterada até hoje, não fosse uma empresa japonesa que substituiu a argila por polímeros especiais. Estou falando da empresa Pentel...

domingo, 13 de novembro de 2011

Frankenpen IV - Koh-I-Noor Rapidograph 1950 (Segunda Parte)

Para desmontar a Rapidograph, basta desrosquear a pena e desrosquear o conjunto da bomba de alimentação (a parte vermelha). O que sobra do corpo é um tubo que pode ser limpo e lavado sem qualquer dificuldade. A bomba de alimentação é um sistema "piston filler" clássico. Girando o manípulo, um êmbolo se desloca, succionando a tinta.


Tudo limpo e montado novamente, chegou a hora de abastecer a caneta. A capacidade do sistema, é enorme. Cheia de tinta, como em qualquer "piston filler", "devolvemos" quatro gotas de tinta para o tinteiro, para criar um espaço vazio dentro do reservatório. Esse vazio é necessário para evitar transbordamentos.


Na hora de escrever, veio a primeira decepção... A pena, além de arranhar bastante, é muito seca, ou seja, tem um canal de alimentação muito fechado, o que resulta num fluxo pobre de tinta.


Pesquisando a origem da caneta, me certifiquei de que realmente era uma caneta adaptada, no maior forum de canetas tinteiro da atualidade, o Fountain Pen Network. Lá, descobri ainda, que a rosca de montagem da pena, é EXATAMENTE IDÊNTICA à rosca da famosa marca Esterbrook. E eu tinha uma pena Esterbrook sobrando...


Era uma pena Esterbrook #2668, média e com fluxo bem mais generoso do que a pena Rover. Antes de experimentar a pena Esterbrook porém, tive de desmontar a tampa da caneta. Lembrem-se que a pena agulha original da caneta, é bem fina, portanto cabe dentro de qualquer tampa. A pena Esterbrook entretanto, tem laterais bem largas, mais largas que a pena Rover inclusive. Nessas circunstâncias, era necessário avaliar se a pena iria caber com a caneta tampada, sem risco de danificar/entortar a pena.







Como tudo na Rapidograph, a tampa também é desmontável manualmente. A "jóia" (extremidade fechada da tampa), é desrosqueável e removível. Nessa operação, o clipe sai junto. Numa única peça com a jóia, fica a "inner cap" (tampa interna), que mostrou ter diâmetro largo o suficiente para não entortar a pena Esterbrook (a segunda foto mostra o encaixe).


Equipada com a pena Esterbrook, a caneta ficou perfeita. Maciez, fluxo e traço perfeitos de uma pena Esterbrook aliados a uma capacidade de tinta enorme, que permite horas de escrita sem precisar reabastecer.


Ah! Ia esquecendo... Durante as pesquisas, descobri a razão do nome... Koh-I-Noor, é um dos maiores diamantes lapidados do mundo. Foi encontrado bruto na Índia e trazido para a Inglaterra, onde foi lapidado e hoje está instalado na coroa da Rainha Mãe. Diz a lenda que paira uma maldição sobre o diamante Koh-I-Noor... Qualquer homem que coloque a mão nele, morrerá em curto período de tempo. Apenas as mulheres estão imunes a essa maldição. Por via das dúvidas, na sala de tesouro da Torre em Londres, onde são armazenadas as jóias da coroa, há uma funcionária encarregada de cuidar do Koh-I-Noor. Nenhum, homem põe a mão nele...

Frankenpen IV - Koh-I-Noor Rapidograph 1950 (Primeira Parte)

Essa já chegou pronta na minha mão, fazia parte de um lote de canetas. Algo como uma limpeza de fundo de gaveta. O vendedor aparentemente não sabia o que fazer com ela e mandou junto...


Diversos detalhes, intrigavam na caneta. A começar pela marca e sua procedência... A Koh-I-Noor, é uma empresa antiquíssima e altamente conceituada. Iniciou suas atividades na Áustria no século XIX, mas rapidamente mudou-se para a Czechoslovakia, pois havia inventado a MASSA DE GRAFITE (grafite + óleo + argila), que tornou possível a fabricação de lápis e a Czechoslovakia tinha grandes jazidas de grafite em estado natural. Apesar disso, a caneta em questão, tinha a palavra GERMANY gravada em sua tampa...


Outro ponto curioso... A palavra Rapidograph, é o modelo de uma CANETA TÉCNICA fabricada da Alemanha pela empresa Rotring (atualmente pertence ao mesmo grupo dono da Parker e da Waterman). A palavra Rapidograph tornou-se tão importante, que virou sinônimo de caneta técnica.


Primeiramente, vamos falar de canetas técnicas. Em desenho técnico, utilizava-se tinta NANQUIM traçada com penas do tipo pinça (também conhecidas como "tira-linhas"), que tinham pouca autonomia e eram muito difíceis de regular traço. As canetas técnicas, traziam como novidade, uma pena cilíndrica, fina como uma agulha e com uma válvula interna de controle de fluxo. Com isso, podiam traçar uma linha de largura EXATA sem encharcar. A dificuldade maior, estava na precisão. Já imaginaram um tubo fino o suficiente para traçar linhas de 0.3 mm com um furo dentro e uma válvula passando por dentro desse furo???


Mas a caneta que eu adquiri, não era uma caneta técnica e sim uma caneta tinteiro, com pena convencional aberta, para escrever com tinta de caneta e não com nanquim...


Observando a caneta com uma lupa, vi escritos na pena os seguintes dizeres: "ROVER OSMIO"... Aí piorou de vez. Depois de muito pesquisar, acabei encontrando uma referência a uma marca ITALIANA de penas...


Procurando por RAPIDOGRAPH, acabei encontrando as seguintes imagens (observem na segunda foto, o formato da pena técnica):







Mas eram imagens de uma caneta Rotring ABSOLUTAMENTE IDÊNTICA à minha Koh-I-Noor... Essa charada, não foi fácil de matar. Durante alguns anos, as empresas Koh-I-Noor e Rotring, tiveram uma parceria, pela qual emprestavam suas marcas entre si conforme os mercados para os quais exportassem. Em países onde uma marca tinha mais renome que a outra, todos os produtos eram exportados com a marca mais famosa.


Primeira conclusão: Minha caneta, era de projeto Rotring e fabricada na Alemanha
Segunda conclusão: Como não havia nenhuma referência a uma caneta Rapidograph tinteiro, minha caneta provavelmente havia sido ADAPTADA pela adição de uma pena estrangeira...


Veja agora, imagens da minha caneta, como chegou às minhas mãos:






Observe na segunda foto, a tampa traseira removida mostrando o sistema de abastecimento, um "piston filler" com o manípulo de acionamento interno.


A caneta estava limpa, mas tratava-se sem sombra de dúvidas, de uma caneta usada. Nessas circunstâncias, sempre desmonto a caneta para uma limpeza mais cuidadosa. As canetas técnicas, precisam sem sempre cuidadosamente limpas após o uso, pois a tinta nanquim depois de seca, entope totalmente os canais de passagem inutilizando a caneta. Por essa razão, canetas técnicas são projetadas para serem desmontadas manualmente sem dificuldades e usando apenas as mãos. Nenhuma ferramenta adicional costuma ser necessária.


Continua...




Frankenpen III - Long Life 1950

Essa não chegou a ser propriamente uma Frankenpen... Talvez, fosse mais bem enquadrada como transplante de coração... A Long Life, é uma caneta que foi fabricada no pós guerra, durante a década de 50 (não há exatidão, pois a documentação é escassa...) na República Popular da China.


O que chamou minha atenção sobre a Long Life, foi o material de sua construção. Corpo, tampa e "nib section" da Long Life, são feitos em EBONITE, um dos polímeros mais antigos em produção. Segundo se afirma, ebonite foi descoberto por Charles Goodyear durante o processo que culminou com a invenção da vulcanização da borracha. A vulcanização, consiste de adicionar enxofre à borracha natural derretida a quente. Após esfriada, a borracha assume uma maior resistência à oxidação. Se o enxofre adicionado exceder determinada quantidade, a principal característica mecânica da borracha que é a elasticidade, se perde. Nos experimentos de Goodyear, ele percebeu que o material resultante era extremamente duro, facilmente trabalhável mecanicamente (torneamento, abrasão, polimento etc.) e que apresentava um belo brilho acetinado e escuro, assemelhado à madeira ébano (ebony em inglês), o que determinou o nome do polímero.


A Long Life, não é fabricada há muitos anos. Na China hoje, a grande maioria das canetas, inspira-se direta ou indiretamente nas canetas Parker de pena embutida. Inexplicavelmente, um enorme lote de Long Life, apareceu na Tailândia, anunciados em sites de leilão como o eBay... Num primeiro momento, a comunidade mundial de aficcionados, se perguntava se aqueles anúncios eram confiáveis, pois procediam de vendedores aparentemente desconhecidos. Os primeiros "corajosos" se arriscaram e as canetas começaram a chegar...


Não fui um dos primeiros, mas pelo valor, paguei pra ver. A caneta chegou. Tratava-se de uma caneta NOS, ou seja, sem qualquer uso, mas estocada há muitos anos. A falta absoluta de cuidados na estocagem, resultou em uma caneta totalmente suja e inoperante. Após limpa, lavada e desmontada, descobri que o "ink sac" da caneta havia se transformado em pó. Trocar um "ink sac", não é uma tarefa difícil. Difícil, seria esperar a chegada de um novo. Revirando meus guardados, encontrei um "ink sac" de Parker 51, que serviu perfeitamente.




A caneta ficou perfeita!!!

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